"Quem já descobriu a Cristo deve levar Ele aos outros. Esta alegria não se pode conter em si mesmo. Deve ser compartilhada." (Papa Bento XVI)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Procurado e Amado por Deus

Ninguém duvida que o ser humano seja o único dotado de liberdade e de vontade, capaz de dizer "sim" e "não", de construir o seu futuro na paz ou de destruir o seu presente, ameaçando o amanhã através da guerra e da destruição mais brutal. Nenhum animal, por mais feroz que fosse, inventou os campos de concentração ou lançou a bomba atômica sobre os outros animais. É verdade que os animais defendem os seus territórios, mas não abortam os filhos que a natureza lhes concede.

A inteligência humana é de uma capacidade tal que não é possível medir e que, de vez em quando, dominada pelo orgulho, é tentada a substituir Deus. Essa mesma inteligência crê-se no direito de ultrapassar qualquer limite e de satisfazer qualquer capricho e sonho, até de clonar o ser humano.

O ser humano, corajoso navegador nos mares do saber, é grande à medida que sabe ser humilde. A humildade não humilha, mas enaltece aquele que é consciente de que há limite em tudo e que, por trás de todas as coisas, está sempre o desconhecido, o mistério que só pode acolher na fé pura quem ama.

Por trás de todas as coisas que vemos está sempre o ser humano. Quando contemplamos os outdors luminosos que enfeitam as ruas e avenidas das grandes cidades, por trás deles está o homem que os pensou e realizou. Quando paramos extasiados contemplando uma pintura, uma obra de arte, por trás dela está o ser humano que com sua inteligência soube traduzir numa forma plástica e harmônica algo que nos convida à paz ou infunde em nós o horror para com o mal... Por trás de tudo está o ser humano, desejoso de ir sempre além. Assim é em todas as ciências: da medicina à arte, à arquitetura, à astronomia, à agricultura transgênica...

Tudo leva-nos a gritar com o salmista: "Que maravilha sou eu, Senhor". Saber maravilhar-se humildemente do que somos capazes de fazer não é orgulho, mas humildade. Humildade é caminhar na verdade, na busca da única verdade que nos liberta e nos faz adoradores do Deus escondido e presente.

Onde estás? ... O que fizeste?


Mas por trás de todo homem está Deus, o Criador. Sem Ele nada existiria. O homem, para ser feliz, deve procurar a sua origem, o seu criador, a fonte de sua existência, este desejo que angustia e, em certo momento, faz-se dramático. É o único caminho da plenitude e da realização. Quem não tem fé sente-se necessariamente incompleto. Esta experiência de sentir-se incompleto e vazio não sou eu que afirmo, mas os filósofos de todos os povos e os teólogos de todas as religiões. A religião não é ópio e alienante, é necessidade para suprir a nossa deficiência. Deus nos criou necessitados e pobres, e isto faz parte da verdadeira antropologia. É o nosso DNA que, para ser pleno, deve estar ligado ao mistério.

Quanto mais estamos doentes, mais desejamos a saúde; quanto mais nas trevas, mais desejamos a luz. Assim, quanto mais estamos longe de Deus, consciente ou inconscientemente, mais o buscamos para dialogar com Ele.

Quando o homem descobre que está nu e tenta fugir de Deus, escondendo-se como nos relata o Gênesis, Deus sai do seu silêncio e vai à procura da criatura, criada por Ele por amor e feita à sua imagem e semelhança. Deus jamais poderá esquecer-se daquele que foi criado por amor e no amor. O amor é incapaz de esquecer. A memória do amor é mais forte do que a morte, recorda-nos o Cântico dos cânticos.

"Deus é o primeiro a chamar o homem. Ainda que o homem esqueça o seu criador ou se esconda longe de sua face; ainda que corra atrás de seus ídolos ou acuse a divindade de tê-lo abandonado, o Deus vivo e verdadeiro chama incessantemente cada pessoa ao encontro misterioso da oração. Essa atitude de amor fiel vem sempre em primeiro lugar na oração. A atitude do homem é sempre resposta a esse amor fiel" (Cat, 2567).

É necessário, para poder entrar no dinamismo da oração, sentir-se procurado e amado por Deus. Nós fugimos, mas alguém corre atrás de nós para que voltemos para a casa de onde saímos: o coração de Deus. Fora desta casa há frio, desolação, deserto, morte... Mas o homem geralmente gosta de "pedir as contas" a Deus Pai, como na parábola do filho pródigo, e percorrer outros caminhos, experimentar a brisa da falsa liberdade de fazer o que quer, de gerir a sua vida e de esbanjar o dom da graça. Mas, se for sincero consigo mesmo e com o Pai que abandonou, um dia, caindo em si mesmo, retomará o caminho da casa paterna.

O orante é quem percebeu a própria "nudez", a fragilidade, e escondeu-se para não se deixar ver tão miserável por Deus, que o havia criado tão belo, rico e bonito. Deus vem à nossa procura no nosso esconderijo de pecado e de dor, para reiniciar conosco um diálogo que nós mesmos interrompemos. É o que os místicos nos dizem constantemente: "Se é verdade que o homem procura a Deus, ainda é mais verdade que Deus procura o homem" (São João da Cruz). O próprio Jesus sai do coração do Pai para vir ao nosso encontro, para reatar conosco uma amizade que estava destruída pela força do pecado; e todos os profetas nos anunciam que o Senhor quer fazer conosco uma nova Aliança. Deus, em Jesus, veste-se da nossa humanidade para que não tenhamos medo, e vem nos procurar no deserto para reconduzir-nos ao redil, à casa paterna. Não podemos iniciar o caminho da oração se o orgulho, a auto-suficiência, a sede de poder e a soberba nos dominam.

Onde você se esconde? Quais são os pecados que lhe obrigam a "fugir de casa e se esconder", para que Deus não veja você na sua pobreza e miséria?
A oração nasce neste reencontro entre Deus, que nos busca, e nós que, medrosos, nos escondemos e insistimos em não querer voltar para casa. Só o amor é capaz de romper todas as barreiras do egoísmo humano.

A criação: primeiro livro da oração


Deus criou o universo e o colocou ao serviço do ser humano. Esta simples verdade comove-nos profundamente porque faz-nos compreender como nada teria sentido sem a presença do homem. Somente ele é capaz de agradecer, de louvar, de bendizer...de destruir. O primeiro livro que devemos aprender a ler, meditar e a transformar em oração é a criação, como obra-prima do amor criativo de Deus: "É sobretudo a partir da realidade da criação que se vive a oração" (Cat, 2569).

Vivemos numa sociedade da técnica, onde a criação se tornou simples ecologia e a defendemos não tanto por sua beleza e por uma necessidade contemplativa como escada e meio que nos elevam a louvar e a reconhecer a obra do Criador, mas puramente pela necessidade de sobrevivência. Hoje, mais do que nunca, sabemos que destruindo a natureza ou o ecossistema, estamos sujeitos a um suicídio coletivo. Se queremos continuar a viver, a habitar o planeta, devemos defender a natureza.

No entanto, não seriam necessárias leis para defender e cuidar da natureza se experimentássemos o amor por esta realidade que nos fala de Deus. A beleza do Criador se reflete nas suas criaturas. São Paulo da Cruz, em momento de íntima contemplação, gritava para as flores: "Vós falais mais forte de Deus do que eu". Deus nos dá o sentido contemplativo, amoroso, capaz do extasiamento diante de uma flor, descobrindo que o Criador das flores, dos campos, é muito mais belo que as flores.

Conta a história, não sei se é lenda ou realidade, que alguns filósofos iluministas insistiam em dizer que a necessidade de Deus não era outra coisa senão a projeção humana: "O homem 'criou Deus' e não Deus criou o homem". Para provar isto, isolaram uma criança num lugar bonito, com uma floresta linda e jardim com as mais belas flores. Colocaram perto da criança educadores ateus, que nunca e por nenhum motivo falassem para ela de Deus, de religião, do sobrenatural. Um dia, a criança estava brincando no jardim com uma flor e falava sozinha. Aproximou-se dela o educador, severo e ateu comprovado, e perguntou-lhe: "O que você está fazendo com esta flor e o que diz para ela?" A criança, com toda inocência, respondeu: "Digo: como tu és bela... mas quanto mais belo deve ser Aquele que te criou e te fez assim!"

Não é necessário que alguém nos fale de Deus. Nós o trazemos dentro de nós. É preciso somente debruçar-nos sobre as belezas da natureza para sentirmos o palpitar do coração e do amor do Senhor.

Francisco de Assis teve esta intuição contemplativa da presença cosmológica de Deus. Ele é o cantor livre e apaixonado do Deus presente nas coisas. Quem de nós não conhece o Cântico das criaturas? Para Francisco, todas as criaturas são irmãs e irmãos: "Louvado sejas, Senhor, por todas as tuas criaturas, principalmente o irmão sol que nos traz o dia e com o qual nos iluminas... Louvado sejas, Senhor, pela irmã lua e pelas estrelas que puseste no céu, claras, preciosas e belas! Louvado sejas, Senhor, pelo irmão vento..."

Os Padres da Igreja, quando falam da criação, sempre comparam-na a um jardim onde Deus gosta de passear entre as suas criaturas para contemplá-las e por elas ser contemplado. A delícia de Deus é passear entre os homens.

São João da Cruz, no seu poema Cântico Espiritual, fala-nos com uma ternura impressionante da beleza da criação: "Ó bosques e espessuras, plantados pela mão de meu Amado! Ó prado de verduras, de flores esmaltado, dizei-me se por vós Ele há passado!" (C 4).

Teresa de Ávila tinha um sentido especial pela água; nela via a forma mais plástica da oração, necessária para regar o jardim de nossa alma. Os místicos orientais também têm um apreço especial para com a natureza.

Voltar ao essencial


A beleza artificial nos agride e aliena da verdadeira e autêntica beleza da criação, que é sempre pacificadora e harmoniosa. O canto dos pássaros não agride ninguém, ele chega à profundidade do nosso ser e nos harmoniza. O perfume das flores, o canto das cascatas e a voz rumorosa dos rios, a beleza da luz do sol e das estrelas pacificam o nosso espírito. Mas quem de nós não se sente agredido pelo som a todo volume de um rádio, de um CD, de um violão elétrico? Quem não se sentiu na vida agredido pela luzes multicores que quase nos cegam?... É necessário voltar ao essencial da natureza para podermos reaprender o caminho do diálogo com o Senhor criador.

Responda rápido a estas perguntas:

- Quanto tempo faz que você não olha o céu estrelado?
- Quanto tempo faz que não contempla uma flor desinteressadamente, e não na floricultura: com a flor nos olhos e a mão no bolso?
- Quanto tempo faz que não pára para escutar o canto de um pássaro?
- Quanto tempo faz que não fica sozinho num lugar solitário, prestando atenção à voz do vento, ao murmúrio da água, ao correr dançante de uma lagartixa?

Faça da natureza o seu livro de oração. É claro, a natureza não tem voz, não tem sentimentos, não tem energia (não acreditamos na Nova Era e em coisas semelhantes), mas ela tem a capacidade de falar-nos do Criador, e nós, homens e mulheres com sentimentos, damos voz e sentimentos a tudo o que está ao nosso redor.
Abra lenta e silenciosamente o livro da natureza e deixe que ele te ensine e te fale de Deus. Acolha a voz da natureza, deixe-se guiar por ela até o Criador. "Tudo que respira louve o Senhor! Aleluia!" (Sl 150,6).

Venha comigo, meu irmão, a um lugar separado, distante, para escutarmos a voz do silêncio e, depois de termos louvado o Senhor, voltarmos à cidade dos homens para falarmos de Deus com o nosso silêncio, que é sempre amor. Quando não soubermos como rezar, não nos esqueçamos nunca: é só olharmos os lírios dos campos, as aves do céu, o azul do firmamento, o brilho das estrelas... e eles nos dirão quem é o Senhor.


por Frei Patrício Sciadini, ocd
Comunidade Católica Shalom

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