"Quem já descobriu a Cristo deve levar Ele aos outros. Esta alegria não se pode conter em si mesmo. Deve ser compartilhada." (Papa Bento XVI)

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

De etapa em etapa, até a última!

Dom Redovino Rizzardo

Muitas vezes me perguntei o que eu faria e como reagiria se o meu médico de confiança, no final de uma consulta, me fixasse nos olhos e dissesse calmamente: «Preciso informá-lo que um câncer tomou conta de seus pulmões e nada mais há a fazer!»

Normalmente, somos todos especialistas em dar conselhos, às vezes até com certo ar de arrogância... se quem jaz num leito de dor ou numa cadeira de rodas são os outros! Quando, porém, chega a nossa vez de não descortinar nenhum sinal de alívio e esperança, tudo muda e desmorona! O mínimo que fazemos é chorar e gritar: «Que crime cometi para merecer esse castigo? Onde está Deus? O que vou fazer agora com a minha vida?».

Quem é jovem, sem nenhum problema de saúde, talvez não consiga entender o que se passa na mente e no coração de alguém que descobre que... o trem chegou na última estação! Uma pálida idéia do que então pode acontecer revelam-no as palavras do rei Ezequias, ao saber, através do profeta Isaías, que a morte o estava espreitando, atrás da porta:
«Eu pensei comigo mesmo: é necessário que eu me vá no apogeu de minha vida e de meus dias; para a mansão triste dos mortos descerei, sem viver o que me resta dos meus anos. Não mais verei o Senhor Deus na terra dos vivos; nunca mais verei um ser humano neste mundo!» (Is 38,10-11).

Só quem teve a graça de escapar da morte e recuperar a saúde pode compreender a imensa alegria e gratidão de Ezequias ao ser atendido por Deus:
«Ouvi a tua oração e vi as tuas lágrimas. Vou aumentar em quinze anos a duração de tua vida!» (Is 38, 5).

Na verdade, para quem recebeu o dom da fé e olha para a saúde como um dom a ser colocado a serviço dos irmãos, a vida e a morte se completam e equivalem, como aconteceu com São Paulo:
«Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro. Mas, se continuar vivendo, poderei ainda fazer algo útil. Por isso, não sei o que escolher. As duas coisas me atraem: meu desejo é morrer para estar com Cristo, e isso é muito melhor; mas, para vós, é mais importante que eu continue a viver» (Fl 1,21-24).

Graças a Deus, também em nossos dias não faltam imitadores de São Paulo. Em outubro de 2006, o cardeal Paulo Shan Kuo-hsi, bispo emérito de Kaohsiung, em Taiwan, descobriu que estava com câncer nos pulmões. Apesar de seus 83 anos, não se sentou para aguardar a morte. Pelo contrário, passou a se dedicar com mais intensidade a seus fiéis, como se a sua vida estivesse começando naquele instante. Iniciou uma viagem – que denominou “despedida de minha vida” –, visitando várias cidades de Taiwan, para se encontrar com os doentes que, como ele, pareciam destinados a não ter mais perspectivas.

Costumava repetir: «Trato o câncer como o meu “pequeno anjo”. Ele me leva para onde quer que haja doentes que enfrentam os desafios da vida». Ao completar 85 anos, no dia 3 de dezembro de 2007, Shan Kuo-hsi se disse «muito feliz por ser testemunha do Evangelho nesta última etapa de minha vida».

Durante a homilia da celebração que assinalou a data, narrou que, poucos dias antes, havia estado num centro de dependentes químicos, em Taitung. Aos trezentos internos que lá encontrou, confidenciou: «O câncer me revelou que estou na última etapa de minha vida e me impulsiona a dar o melhor de mim à sociedade».

Não se tenha, porém, a ilusão de que o cardeal aceitara a perspectiva de uma morte iminente com estoicismo ou masoquismo. Como é normal nestes casos, ele também se sentiu desarmado e confuso: «No começo, perguntei a Deus: Por que eu? Quando me acalmei, reconheci a vontade de Deus, que me levava a partilhar com outros a minha experiência pessoal. Por isso, agora, ao invés de perguntar “por que eu?”, repito: “Por que não eu?”. Não é por ser cardeal que pretendo o privilégio de gozar sempre de saúde!»

Quem o ajudou a se manter nesse profundo clima de espiritualidade, foi o exemplo heróico de João Paulo II, que o elevara ao cardinalato. O câncer que lhe fazia companhia, também colaborou para intensificar sua unidade com um Papa que, por entre os sofrimentos mais atrozes, manteve-se numa atitude de doação total a todos, até o fim.

Sem dúvida, também o cardeal Shan Kuo-hsi podia – e pode, porque continua ainda caminhando conosco nesta terra –, repetir as palavras com que João Paulo II descrevia como iniciava a última e mais importante etapa de sua vida: «Quero manifestar-lhes os sentimentos que me animam neste derradeiro período de minha vida. Apesar das limitações impostas pela idade, conservo o gosto pela vida. Agradeço ao Senhor. É bonito poder gastar-se até ao fim pela causa do Reino de Deus! Sinto uma grande paz quando penso no momento em que Deus me chamar: de vida em vida! Por isso, tenho freqüentemente nos lábios, sem qualquer sentimento de tristeza, uma oração que o sacerdote reza após a celebração eucarística: Na hora de minha morte, chamai-me e mandai-me ir para vós!».

Publicado no Portal da Comunidade Católica Shalom

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