"Quem já descobriu a Cristo deve levar Ele aos outros. Esta alegria não se pode conter em si mesmo. Deve ser compartilhada." (Papa Bento XVI)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Quem tira o pecado do mundo?


“Existem tantas formas de deserto. Existe o deserto da pobreza, o deserto da fome e da sede, existe o deserto do abandono, da solidão, do amor destruído. Existe o deserto da obscuridade de Deus, do esvaziamento das almas sem mais consciência da dignidade e do caminho do homem. Os desertos exteriores multiplicam-se no mundo, porque os desertos interiores fizeram-se tão amplos”. (Bento XVI).

No evangelho de João 1,29-34, encontramos: “João Batista viu Jesus aproximar-se dele e disse: ‘Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo’”.

Cordeiro, já no Antigo Testamento, era o símbolo do ser inocente, que não pode fazer mal a ninguém, mas somente recebê-lo. Também na primeira carta de Pedro, Cristo é chamado “o cordeiro sem mancha, que ultrajado, não respondia com ultrajes, e sofrendo não ameaçava vingança”. Jesus é por excelência o Inocente que sofre.

O sofrimento do inocente é a interrogação mais difusa cuja explicação é difícil de ser alcançada por todo o mundo. Parece que os responsáveis são o próprio Deus e a fé que recebemos como dom.

Jesus, tantas vezes, encontrou-se com o sofrimento humano estampado no rosto dos que o procuravam para buscar alívio e cura. Comoveu-se profundamente e acolheu o sofredor com imensa compaixão. Jamais interrogou alguém sobre quem teria pecado, os pais ou o próprio angustiado? Nem tão pouco quis dar explicação sobre o sofrimento do inocente.

“Existe no mundo inteiro somente um Ser que pode perdoar e tem o direito de perdoar.” Ele deu o seu sangue inocente por todos.

Cristo Jesus não veio para dar-nos sábias explicações sobre a dor, mas veio para assumi-la silenciosamente sobre si. Tomando-a sobre si mudou-a de sinal de maldição fazendo-a instrumento de redenção, o valor supremo, o maior neste mundo. Deus nos trata como se tivéssemos a menor culpa e Ele a compaixão e misericórdia infinita. Em seu Filho assumiu o nosso pecado e pelo seu sangue derramado o mérito para sermos perdoados. Ele é a inocência e o sofrimento. Como inocente sofre em sentido absoluto.

O profeta Isaias 53, 5s já o havia apresentado: “o Cordeiro sem mancha”, porque sem ter cometido nenhuma culpa, ele carregou sobre si a pena de tantas culpas. “O castigo que nos dá salvação recaiu sobre ele... O Senhor fez recair sobre ele a iniqüidade de todos nós.” O que aos olhos do mundo é o maior escândalo, a dor dos inocentes, é diante de Deus, a pérola mais preciosa do mundo. O apóstolo Paulo colocou em destaque que o sofrimento e a morte de Cristo na cruz foram escândalo para os judeus e loucura para os gregos, mas este é o meio escolhido por Deus para salvar. O mundo, especialmente hoje, se recusa a compreender o mistério da cruz, porque a sua lei suprema é buscar o prazer a todo o custo.

A propósito do sofrimento do inocente, a fé nos convida a não pararmos tanto sobre as causas, sobre o porquê se sofre, mas sobre seus efeitos: que coisa nasce de tal sofrimento. Um dia, foi apresentado a Jesus um menino cego de nascimento e perguntaram-lhe: “Mestre, quem pecou, ele ou seus pais, por que ele nasceu cego? Jesus respondeu: Nem ele pecou, nem seus pais, mas isso lhe aconteceu para que se manifestassem nele as obras de Deus” (João 9, 2s). Penso em tantas famílias visitadas pelo sofrimento de seus filhinhos e os recebem com imenso amor e os perdem com o coração transpassados de dor. E quando sobrevivem dedicam-lhes um amor com carinho infinito. Sem dúvida, a morte do egoísmo que domina o mundo.

A compreensão e compaixão vêm da fonte que brota do sofrimento de Cristo que culminou com sua morte na cruz, mas teve ressurreição, esperança para todo o gênero humano. Na profecia de Isaias, aplicada a Cristo e lida hoje, ouvimos: “Eu te farei luz das nações, para que minha salvação chegue até os confins da terra”. Jesus suscita hoje ainda quanta solidariedade, quanta capacidade de amor, desconhecida do mundo quando cultiva o egoísmo.

Não basta compreender a dor inocente, é preciso urgentemente não aumentá-la. Não podemos atribuir a dor do inocente à fatalidade ou ainda à falhas da natureza. Muitas dessas dores provêm da nossa liberdade, da violência para fazer prevalecer a prepotência sobre o outro, ou simplesmente das nossas omissões. Jesus ensinou aos discípulos: “Sede no mundo como cordeiros em meio aos lobos”.

Cardeal dom Geraldo Majella Agnelo
Arcebispo de São Salvador da Bahia e ex-presidente da CNBB

Fonte: Site CNBB

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